Visitante-leitor
Vinícius Maffei
2019
O visitante-leitor se reuniu em círculo, ao redor do texto, e olhou para o alto, de acordo com a proposição. Um, ainda que leitor, não quis ler. Outro, viu o que não deveria ter visto. Vulnerável, guardou para si. Eu, observando o visitante leitor, me afastei, sentei-me no objeto de leitura e observei o movimento que impunha o dispositivo. Não haveria de haver nada de especial nesse deslocamento, não sei se isso fazia de mim o leitor que não quis ler ou o visitante que viu o que não deveria ter visto; se isso fazia de mim um visitante leitor ou seu avesso. O dispositivo imperante, que poderia ser a palavra ou poderia ser aquilo que a fazia vista – ou provavelmente o conjunto – exigia um visitante-leitor.
O visitante leitor está em lugares diversos, está em igrejas, em aeroportos, na Avenida Paulista, na Picadilly Circus e na Times Square, mas todo visitante leitor é visitante-leitor? O visitante-leitor parece entender sua condição, entender o dispositivo e por ele se guiar ao que está além de sua compreensão – por isso, se afastar, observar o próprio visitante leitor, ver aquilo que não deveria ser visto, parece perfeito ao seu fazer. Se contém ao lugar do que não deveria ser falado e foi, do tradutor que entende a perversidade de seu trabalho, que é trabalho do artista, que entende o dispositivo, sua contradição e gritante ambiguidade, e por este decide agir. O visitante-leitor, ou artista, que até pode ser a mesma coisa, está baixando uma leitura e carregando outra. Com esta vulnerabilidade age ou com seu avesso se afasta? O deslocamento, dispositivo que atua sobre o visitante-leitor, que por sua vez também age por meio deste, é febre, pelo qual é acometido e deste faz trabalho em suas instâncias. O visitante-leitor não lerá um teleprompter, mas apenas por não dever vê-lo, ou lê-lo, não deixa de lê-lo pelos meios que lhe são próprios.
Sobre o teleprompter, há uma anedota que aqui não daremos conta de finalizá-la enquanto tal, portanto, um exemplo que parece, ainda que com seus limites, se contorcer e olhar para diversos pontos, reunindo-os, mas não os conciliando. O teleprompter presidencial. Gosto de chamar essa “anedota" de sistema de posicionamento global – articulando, por sistemas, seus sentidos físicos e discursivos de posicionamento e de global. Torce os sentidos de visibilidade e invisibilidade, opacidade e transparência, pelas enunciações que, como já dito, acontecem no plano do físico e do discursivo. Suscita a noção de dispositivo que aqui nos interessa: essa que se utiliza de meios, como os que foram citados acima, para se fazer falar e falado – ouvir e ser ouvido. Essa é a questão dessa "anedota", o próprio dispositivo do teleprompter, com o que impõe, abarca noções mais moduláveis de dispositivos. Tais modulações são da leitura e de suas implicações, que se tramam no lugar de quem regula tais níveis: aquele que se posiciona, para o qual o texto se faz visto; a quem o dispositivo de leitura, que é de fala, se faz transparente e a quem se faz opaco.
Texto exige espaço em sua amplitude de possibilidades. Quem visita o texto é visitante, não que isso seja irrestrito. Mas com a ideia de deslocamentos pensa-se essa proposição: de um texto de desacordos em deslocamento, desacordos que se estendem pela atividade daquele que produz com aquele que lê. Desacordos esses que estão ao redor do dispositivo. Por mais que, diante do dispositivo de leitura, estejamos, juntos com os desacordos, expostos – quando visitantes-leitores podemos ser registrados, capturados ou fotografados –, o dispositivo, diante deste jogo de posições, se encontra igualmente desprotegido e assim deve estar. Estamos confirmados e inconformados.
reading at
the Summer Academy, Festung Hohensalzburg, Salzburg, Austria;
with Marina Dubia at SUPeR, Copenhagen, Denmark;
at Index in Stockholm, Sweden;
at the library at Rundgang 2024, Royal Danish Academy of Fine Arts, Copenhagen, Denmark;
at Stanza during the launch of the Journal Bricks From The Kiln, Copenhagen, Denmark;